sexta-feira, 10 de junho de 2011

Reportagem muito interessante, no New York Times

A Fala não paga, então a psiquiatria vira remédioterapia

No dia 05/03/11 esta entrevista muito boa foi publicada no New York Times com um psiquiatra sobre como hoje em dia acontecem as consultas. Esta é a realidade dos Estados Unidos, lá geralmente se faz psicoterapia (popularmente conhecida como terapia da fala) com um médico psiquiatra. Mas de qualquer forma pode nos fazer pensar sobre o assunto aqui no Brasil também, uma parte está traduzida abaixo, o restante pode ser lido na no site do jornal.

DOYLESTOWN, Pa. —Solitário com seu psiquiatra, o paciente confidenciou que o filho recém-nascido tinha sérios problemas de saúde, a mulher abalada gritava com ele e ele tinha voltado a beber. Com a vida e o segundo casamento desabando, o homem disse que precisava de ajuda.

Mas o psiquiatra, Dr. Donald Levin, fez o homem parar e disse: “Segura. Não sou seu terapeuta. Poderia ajustar suas medicações, mas não acho que seria apropriado”.

Como muitos dos 48 mil psiquiatras da nação [Estados Unidos], o Dr. Levin, em grande parte por causa das mudanças na forma de pagamento das companhias de seguro de saúde, não oferece mais terapia de fala, a forma de psiquiatria popularizada por Sigmund Freud que dominou a profissão por décadas. Em vez disso, ele receita drogas, normalmente depois de uma rápida consulta com cada paciente. E assim o Dr. Levin dispensou o paciente com uma indicação de um terapeuta mais barato e uma crise pessoal inexplorada e não resolvida.

A Medicina está mudando rapidamente nos Estados Unidos, de uma atividade pessoal para uma dominada por grandes grupos de hospitais e corporações, mas as novas eficiências são acompanhadas por uma perda de intimidade entre médicos e pacientes. E nenhuma especialidade perdeu mais profundamente que a psiquiatria.

Treinado como psiquiatra tradicional no Michael Reese Hospital, um centro médico de Chicago que desde então fechou, Dr. Levin, de 68 anos de idade, abriu seu primeiro consultório em 1972, quando a terapia de fala estava no ápice.

Então, como muitos psiquiatras, ele tratava de 50 a 60 pacientes em sessões de 45 minutos cada, uma ou duas vezes por semana. Agora, como muitos dos colegas, ele trata 1.200 pessoas, na maioria em visitas de 15 minutos para ajustes nas medicações, encontros que às vezes acontecem em intervalos de meses. Então, ele conhecia a vida pessoal dos pacientes melhor que o de sua própria esposa; agora, ele em geral nem consegue lembrar os nomes. Então, o objetivo do médico era tornar os pacientes felizes e completos; agora, é apenas mantê-los funcionais.

O Dr. Levin achou a transição difícil. Ele agora resiste a ajudar pacientes apenas a gerenciar melhor suas vidas. “Tive que me treinar para não se interessar pelos problemas deles”, ele disse, “sem derrapar para o caminho de me tornar um semi-terapeuta”.

Consultas rápidas se tornaram comuns na psiquiatria, disse o Dr. Steven S. Sharfstein, um ex-presidente da Associação Americana de Psiquiatria e agora presidente e executivo-chefe do Sheppard Pratt Health System, o maior sistema de saúde comportamental de Maryland.

“É uma prática que nos faz lembrar do atendimento primário”, disse o Dr. Sharfstein. “Checam as pessoas; sacam o talão de receitas; pedem exames”.

Com o cabelo ralo, a barba cinza e os óculos sem armação, o Dr. Levin se parece muito com os psiquiatras que apareceram durante décadas nos cartuns da [revista] New Yorker. O escritório dele, que fica acima do salão de cabeleireiro canino Dog Daze em um subúrbio da Filadélfia, tem um par de cadeiras de couro, máscaras africanas e a cabeça de uma alce na parede. Mas não há divã, nem sofá; o Dr. Levin não tem tempo nem espaço para que os pacientes se deitem.

Num dia recente, um homem de 50 anos visitou o Dr. Levin para renovar as receitas da medicação, um encontro que durou cerca de 12 minutos.

Dois anos atrás, o homem desenvolveu artrite reumatóide e ficou profundamente deprimido. O médico da família receitou um antidepressivo, sem efeito. O homem tirou licença do trabalho em uma companhia de seguros, se recolheu ao porão e raramente saia de casa.

“Eu fiquei como um urso, hibernando”, ele disse.

Missing the Intrigue

O homem procurou por um psiquiatra que fizesse terapia de fala, que receitasse se fosse necessário e que aceitasse seu plano de saúde. Não encontrou. Decidiu-se pelo Dr. Levin, que o persuadiu a fazer terapia de fala com um psicólogo e gastou meses ajustando um mix de medicações que agora inclui diferentes antidepressivos e um antipsicótico. O homem eventualmente retornou ao trabalho e agora sai de casa para ir ao cinema e visitar amigos.

A recuperação do paciente foi gratificante para o Dr. Levin, mas a brevidade das consultas — como as de todos os pacientes — deixa o médico se sentindo incompleto.

“Tenho saudade do mistério e do enredo da psicoterapia”, ele disse. “Agora me sinto com um mecânico de Volkswagen”.

“Sou bom nisso”, o Dr. Levin disse “mas não há muito a aprender sobre as drogas. É como [o filme] ‘2001, Odisseia no Espaço’, onde você tinha Hal, o supercomputador, sobreposto ao macaco com o osso. Sinto agora que sou o macaco com o osso”.

A mudança, das terapias de fala para as drogas, varreu os consultórios e os hospitais, deixando muito psiquiatras mais velhos se sentindo infelizes e inadequados. Um pesquisa governamental de 2005 indica que apenas 11% dos psiquiatras oferecem terapia de fala para todos os pacientes, um número que vem caindo há muitos anos e caiu ainda mais desde então. Hospitais psiquiátricos que no passado ofereciam meses de terapia de fala agora dispensam os pacientes dias depois da internação, apenas com as pílulas.

Estudos recentes sugerem que a terapia de fala pode ser tão boa ou melhor que as drogas no tratamento da depressão, mas menos da metade dos pacientes deprimidos hoje recebe esse tipo de terapia, quando a vasta maioria tinha acesso 20 anos atrás. As políticas de reembolso das companhias de seguro, que desencorajam as terapias de fala, são parte da razão. Um psiquiatra pode receber 150 dólares por três visitas de 15 minutos apenas para prescrever medicação, comparados com 90 dólares por uma consulta de 45 minutos envolvendo a terapia de fala.

A competição que vem de psicólogos e assistentes sociais — que, ao contrário dos psiquiatras, não estudam Medicina, portanto podem cobrar mais barato — é a razão pela qual a terapia de fala tem um valor menor na tabela das seguradoras. Não existem provas de que os psiquiatras ofereçam uma terapia de fala de melhor qualidade que psicólogos ou assistentes sociais.

Naturalmente, existem milhares de psiquiatras que ainda oferecem terapia de fala para todos os pacientes, mas eles cuidam mais dos ricos, que pagam em dinheiro. Em Nova York, por exemplo, um seleto grupo de psiquiatras cobra 600 dólares por hora para tratar banqueiros de investimento e os psiquiatras pediátricos cobram 2 mil dólares ou mais apenas na avaliação inicial do paciente.

Quando começou na psiquiatria, o Dr. Levin fazia sua própria agenda e pagava a estudantes universitários para enviar as cobranças pelo correio. Mas, em 1985, ele começou em uma série de empregos em hospitais e não voltou a ter um consultório até 2000, quando ele e mais de uma dúzia de psiquiatras com os quais trabalhava ficaram chocados ao descobrir que as companhias de seguro não pagariam mais o que eles pretendiam receber por sessões de terapia de fala.

“De início, todos nós seguramos firme, alegando que tinhamos passado anos aprendendo o ofício da psicoterapia e que não abriríamos mão dele por causa da política de pagamento das seguradoras”, o Dr. Levin disse. “Mas, um a um, nós aceitamos que o ofício não era mais economicamente viável. A maioria de nós tinha filhos na universidade. E ter a renda reduzida dramaticamente foi um choque para nós. Levei pelo menos cinco anos para aceitar emocionalmente que eu nunca voltaria a fazer o que tinha feito antes, o que eu amava”.

Ele poderia ter aceito viver com menos dinheiro ou poderia ter dado tempo aos pacientes mesmo sem receber reembolso da seguradora mas, diz, “eu queria me aposentar com o mesmo estilo de vida que eu e minha mulher tinhamos tido pelos últimos 40 anos”.

“Ninguém quer ganhar menos ao evoluir em sua carreira”, ele disse, “você toparia?”.

O Dr. Levin não revelou qual é sua renda. Em 2009, a compensação média anual para psiquiatras foi de cerca de 190 mil dólares, de acordo com pesquisas de grupos médicos. Para manter a renda, os médicos geralmente respondem aos cortes impostos pelas seguradoras aumentando o volume dos serviços, mas os psiquiatras raramente recebem compensação pelo treinamento adicional que tiveram na escola. A maioria se daria melhor financeiramente escolhendo outras especialidades médicas.

A Dr. Louisa Lance, uma ex-colega do Dr. Levin, pratica a velha forma de psiquiatria em um consultório ao lado de casa, a 20 quilômetros do Dr. Levin. Ela gasta 90 minutos com novos pacientes e marca as consultas de retorno para durar 45 minutos. Todos recebem terapia de fala. Cortar a relação com as seguradoras foi ameaçador, já que significa depender apenas da propaganda boca-a-boca, em vez das indicações da rede de médicos da seguradora, disse a Dra. Lance, mas ela não consegue imaginar uma consulta de 15 minutos. Ela cobra 200 dólares pela maioria das consulta e vê menos pacientes em uma semana que o Dr. Levin em um dia.

“A medicação é importante”, ela disse, “mas é o relacionamento que faz as pessoas melhorarem”.

As tentativas iniciais do Dr. Levin de conseguir reembolso das seguradoras ou persuadir os clientes a cobrir a parte que lhes cabe do valor da consulta não foram bem sucedidas. As assistentes do consultório simpatizavam com o choro dos pacientes e não recebiam os pagamentos. Então, em 2004, ele pediu à esposa, Laura Levin — uma terapeuta de fala licenciada, por ser assistente social — que assumisse o lado “negócio” do consultório.

A senhora Levin criou um sistema de contabilidade, comprou poderosos computadores, pagou licença de uso de um programa de agendamento de um hospital próximo e contratou uma empresa de cobrança para lidar com as seguradoras e ligar para os pacientes, lembrando-os das consultas. Ela impôs uma série de taxas nos pacientes: 50 dólares por uma consulta perdida, 25 dólares pelo fax de uma nova receita e 10 dólares extras por não pagar em dia o que é devido.

Assim que o paciente chega, a senhora Levin pede o co-pagamento [parte que cabe ao paciente, acima do pago pela seguradora], que pode ser de até 50 dólares. Ela marca as consultas seguintes sem perguntar por datas e horários preferidos, ganhando os minutos preciosos que os pacientes usariam para consultar seus calendários. Se os pacientes disserem mais tarde que não podem comparecer às consultas marcadas, pagam por isso.

“O segredo é o volume”, ela disse, “se gastamos dois ou cinco minutos extras com cada um dos 40 pacientes do dia, isso significa que vamos ter mais duas horas de trabalho por dia. E não temos como fazê-lo”.

Ela diz que gostaria de dar mais de si, particularmente aos pacientes que claramente enfrentam problemas. Mas ela se disciplinou para manter as interações restritas às questões presentes. “A realidade é que não sou mais terapeuta, ela disse, em palavras que ecoaram as do marido.