terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Receita de Ano Novo

Gosto muito deste texto do Carlos Drummond de Andrade:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido (mal vivido talvez ou sem sentido) para você ganhar um ano não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, não precisa expedir nem receber mensagens (planta recebe mensagens? passa telegramas?)
Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar arrependido pelas besteiras consumidas nem parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudem e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Paixão ou Amor?

Caros leitores, desculpem a demora, mas realmente esse filme me fez pensar sobre o que queremos de um relacionamento, uma paixão enlouquecedora ou um amor que nos dê segurança?
É disso que se trata o novo filme do Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona:


Contardo Calligares escreveu brilhantemente em sua coluna de 20/11:
"VICKY Cristina Barcelona", de Woody Allen, estreou no Brasil na semana passada. Com muita leveza e muito bom humor, o filme me levou a pensar nos percalços da vida amorosa.
A história do verão em Barcelona de Vicky e Cristina é um pequeno tratado do amor-paixão: os espectadores terão o prazer (ou desprazer) de se reconhecer em algum lugar do leque de experiências amorosas que o filme apresenta -é um leque pequeno, mas do qual escapamos pouco. Sem resumir, eis umas notas:
1) Os casais que se amam de paixão, cujos parceiros parecem ser feitos um para o outro, em regra, acabam tentando se matar -com faca, revólver ou qualquer outro instrumento (cf. Juan Antonio e Maria Emilia). É porque, se o outro me completa e vice-versa, o risco é que nenhum de nós sobreviva à nossa união -ao menos, não como ente separado e distinto. Mas, por mais que seja ameaçadora, a paixão amorosa é uma tentação irresistível (cf. Cristina, Vicky, Judy) por uma razão simples: nas narrativas de nossa cultura, ela é o protótipo ideal da experiência plena, da vida intensamente vivida.
2) Por sorte ou não, o amor-paixão é raro. A maioria de nós vive relações menos "interessantes" e menos fatais -relações em que a gente se preocupa em criar os filhos, decorar a casa, ganhar um dinheiro ou jogar golfe (cf. Vicky e Doug, Judy e Mark). Não seria tão mal, salvo pelo detalhe seguinte: em geral, nesses casais "normais", ao menos um dos parceiros vive com a sensação de que sua escolha amorosa é resignada, fruto de um comodismo medroso: "O outro não é bem o que eu queria; culpa minha, que não tive a coragem de me arriscar a amar..."
Detalhe: como o amor-paixão é um ideal cultural, não é preciso ter atravessado a experiência da paixão para idealizá-la (as más línguas diriam, aliás, que é mais fácil idealizá-la sem tê-la vivido em momento algum).
3) Os que parecem não idealizar o amor-paixão passam o tempo se protegendo contra ele. Deve ser por isto que a "normalidade" amorosa pode ser insuportavelmente chata: porque ela exige a construção esforçada de defesas contra a paixão -argumentos morais e sociais, sempre mais "razoáveis" do que racionais (cf. Mark, Doug). Num casal, quem critica a doidice da paixão não parece sábio aos olhos de sua parceira ou de seu parceiro; ao contrário, ele parece, quase sempre, pequeno e um pouco covarde (cf. Vicky e Doug, Judy e Mark).
4) A paixão não é uma coisa que a gente possa encontrar saindo pelo mundo como um turista da vida (cf. Cristina). Pois não basta esbarrar na paixão; ainda é preciso encará-la quando ela se apresenta.
Pode ser que, um dia, se ela conseguir matar Juan Antonio com um tiro certeiro, Maria Emilia seja internada ou presa. Pode ser que Juan Antonio seja um sujeito amoral e, por isso, perigoso. Pode ser que Vicky seja desesperadamente normal, trocando a chance de amar por uma casa num subúrbio norte-americano (estou sendo injusto com Vicky: na verdade ela tenta...).
Mas, para mim, a mais "patológica" de todas as personagens do filme é Cristina. Sua aparente abertura para a vida ("Ela não sabia o que queria, mas sabia o que não queria", narra a voz em off) é apenas uma versão "bonita" e literária de sua "insatisfação crônica" (diagnosticada por Maria Emília, com razão). Nisso, Cristina é muito próxima da gente: ela quer e consegue brincar com a paixão, mas sem perder a ilusão da liberdade ou o sonho do que ela poderia encontrar na próxima esquina.
Por isso, sua voracidade é a do turista: tira muitas fotos pelo mundo afora, mas será que ela se deixa tocar pela vida?
5) Disse que "Vicky Cristina Barcelona" trata dos percalços da vida amorosa com leveza e bom humor; de fato, saí do cinema sorrindo, e não era o único. Mas a amiga que me acompanhava comentou: "Adorei, mas é um filme triste". "Como assim?", estranhei. Ela respondeu, com razão: "É um filme triste porque os personagens se apaixonam, vivem sentimentos fortes, mas, no fim, tudo isso não transforma ninguém. Vicky e Cristina vão embora iguais ao que elas eram no começo, sobretudo Cristina...".
Minha amiga tinha razão. O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem. Agora, nem sempre funciona...

sábado, 18 de outubro de 2008

Introjeção

A Gestalt Terapia trabalha com as interrupções no ciclo de contato. Chama-se interrupção pois rompe o que seria saudável.
Em nossa sociedade é muito comum que as pessoas interrompam-se na introjeção. Este tipo de interrupção ocorre no pré-contato, durante o reconhecimento necessidade. O self que deveria formar a figura, introjeta, substitui a figura genuína pela de outras pessoas, para isto o afeto é invertido antes do reconhecimento da figura. O desejo é sentido como algo ruim e o que seria rejeitado é sentido como algo bom para a pessoa. No horizonte futuro estão as possibilidades adaptadas de acordo com o que o “outro” quer. A satisfação possível é o masoquismo, prazer sentido com o próprio sofrimento de estar sob a lei do outro.
Hoje assisti um filme que mostra isto muito bem. No filme, é possível observar como uma pessoa começa a introjetar e também como pode sair disso. Assistam o trailer e depois me digam!


terça-feira, 14 de outubro de 2008

Centenário de Cartola

Assistam este vídeo de Cartola com seu pai cantando o mundo é um moinho:

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Psicoterapia funciona!!!!!!

Caros leitores, peço desculpas pela demora em postar coisas novas, tenho andado muito ocupada.

Bom, neste domigo saiu esta reportagem na Folha (mas é do New York Times), coloquei aqui apenas uma parte pois é um pouco extensa.

A psicanálise intensiva, a "cura pela fala" enraizada nas idéias de Freud, pode estar sob ameaça numa era de tratamentos farmacológicos e pressão por eficácia financeira da assistência médica. Mas cientistas estão relatando agora que ela pode ser eficiente contra alguns problemas mentais crônicos, incluindo a ansiedade e a personalidade limítrofe.Em uma revisão de 23 estudos sobre esse tipo de tratamento envolvendo 1.053 pacientes, os pesquisadores concluíram que essa forma de terapia, mais intensiva, aliviou sintomas dos problemas com muito mais eficácia do que algumas terapias de curto prazo.Em estudo na revista "Jama", da Associação Médica Americana, os autores emitem um alerta para que mais terapias "psicodinâmicas", como as definem, sejam testadas antes que acabem descartadas como meras curiosidades históricas.A revisão no "Jama" foi a primeira do tipo para psicanálise a aparecer numa revista técnica médica de alto impacto, e os estudos nos quais o novo artigo se baseia não são muito conhecidos dos médicos em geral.Por muitos anos, nos EUA, esse campo tem resistido ao escrutínio científico, sob alegação de que o processo de tratamento é altamente individualizado e, portanto, não se presta a esse tipo de estudo. O tratamento se baseia na idéia de Freud segundo a qual sintomas estão enraizados em conflitos psicológicos subjacentes, que podem ser descobertos por meio do relacionamento próximo paciente-terapeuta.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Artigo publicado por mim na última edição da Dimensão

Como escolher a profissão?

Ao terminar o ensino médio muitos jovens ficam indecisos sobre a carreira que desejam seguir. Hoje em dia cada vez mais novas profissões são criadas o que dificulta ainda mais este momento.
Uma das formas que muitas pessoas encontram para resolver essa questão é fazendo um teste vocacional. Contudo, o teste em si não dá resposta, funciona como um elemento auxiliar para o psicólogo assim como o exame de sangue para o médico. O teste levanta características da pessoa e desenha um perfil que será comparado com a profissão. Contudo não é porque uma pessoa possui certas habilidades que não possa adquirir novas. O teste é válido, mas sempre aplicado em conjunto com outras técnicas.
O processo de Orientação Profissional parte do auto-conhecimento, para escolher é necessário conhecer seus gostos e interesses. Também é importante conhecer as expectativas e vivências profissionais da família do jovem, muitas vezes o jovem escolhe uma profissão para resolver a frustração do pai em relação a ela e isso futuramente pode levar a sua própria frustração profissional. É importante para o jovem poder separar o que é dele do que é da sua família, isso torna a escolha mais leve, pois ele está escolhendo algo para ele e não para toda a sua família.
O segundo passo é conhecer o mundo profissional, como é a estrutura do curso, mercado de trabalho, com o que aquele profissional trabalha, como é o ambiente de trabalho. Aconselho sempre meus orientandos a conversar com um profissional para ter a visão de alguém que já trabalha na área, quais os prós e os contras daquela profissão. É importante não deixar de conhecer nada, ás vezes a pessoa pode se surpreender com uma profissão que nunca havia pensado.
A escolha é feita no presente e leva em conta as questões relativas a este momento, pode ser que no futuro novas escolhas sejam feitas. A profissão também é assim, porém muitas pessoas encaram a escolha profissional com algo para a vida toda, que não podem “errar” e isso vira quase uma condenação. O homem está em constante mudança, assim como o mundo, portanto não sabemos o que irá acontecer no futuro, a escolha da profissão tem que levar em conta o momento que é o que conhecemos. Existem perdas, ganhos, existem as escolhas possíveis para o momento e aquelas que ficam para o futuro. E sempre será possível rever a escolha, mudar, re-escolher. Assim esse processo pode se tornar mais leve.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O desejo da gente não é definido, fixo. Ele não precisa ser "descoberto", mas inventado.

Vejam o texto da coluna do Contardo Calligares de ontem da Folha de São Paulo.
César, Diego e nós

AS LÁGRIMAS de felicidade de César Cielo me comoveram. Também me comoveu a consternação de Diego Hypólito depois da queda que o privou da medalha olímpica.Anos de dedicação e controle de si acabaram, para César, num momento em que ele nadou como nunca e, para Diego, num erro inesperado. César tinha dificuldade em acreditar que seu sonho estava acontecendo. Diego repetia: "Não acredito que perdi". Com um amigo, domingo à noite, conversamos sobre o que faz o estofo dos campeões. Evocamos aquela idéia da sabedoria popular que faz sucesso na literatura de auto-ajuda (por exemplo, "O Segredo", livro e filme) e que diz o seguinte: descobrir o que a gente deseja e desejá-lo ardentemente é bom e eficiente, pois quem deseja muito, mais cedo ou mais tarde, realiza suas aspirações. Na mesma veia, organizar nossa existência ao redor da ocupação da qual a gente mais gosta parece ser o jeito de matar a charada da vida. "Logicamente", com a paixão pelo ofício de cada dia ("adeus depressão"), serão multiplicadas as chances de sucesso (merecido, pois, no caso, só poderemos nos entregar a nossas tarefas com o maior afinco e com prazer). É fácil entender de onde vem essa idéia. Você passa o dia aflito, correndo atrás das complicações de seu trabalho e de seus deveres e, quando, à noite, coloca em ordem sua coleção de selos, pensa em desistir de tudo e abrir uma lojinha filatélica. Movido por sua paixão, quem sabe você escreva, enfim, o novo catálogo definitivo dos selos da Colônia, do Império e da República do Brasil; logo, a lojinha crescerá até se tornar o grande centro on-line de troca, comércio e avaliação de selos nacionais. Mas há um problema: essa idéia é ingênua. Não tanto por ela subestimar as dificuldades eventuais de sua lojinha filatélica, mas por duas razões fundamentais: 1) O desejo da gente não é um desejo definido, que seria "o nosso" (como uma espécie de DNA psíquico) e que se trataria de descobrir e logo seguir à risca. O episódio bíblico do pecado original é uma boa metáfora da condição humana. Todas as necessidades estavam satisfeitas no Paraíso terrestre, e fomos querer um fruto que não sabíamos direito o que era: a humanidade (pecadora, claro) surge quando começamos a desejar além do que satisfaz nossa necessidade de sobrevivência. Como nosso desejo não é regrado pela necessidade, ele é variável, não depende do valor intrínseco dos frutos desejados, nem da singularidade de nosso paladar, mas de nossos vínculos com os outros: no caso, com as Evas que nos seduzem ou com a vontade de transgredir a ordem divina. Conclusão: nosso desejo é o fruto volúvel das ocasiões, das circunstâncias e, sobretudo, das relações com nossos semelhantes; ele é uma disposição que INVENTAMOS -não que DESCOBRIMOS. 2) Inventar um desejo não é nenhuma garantia de talento. É possível desejar ser nadador, ginasta ou filatélico sem ter talento para nenhuma dessas atividades. Em tese, isso não teria que ser um drama, visto que poderíamos procurar (ou melhor, inventar) outro "fruto" desejável, mais compatível com nossas aptidões. Mas não funciona assim. Na parábola bíblica, o nosso gosto pelos frutos proibidos indica que, em geral, preferimos desejar o que está fora de nosso alcance, por ser objeto de interdito ou, justamente, por ser irrealizável à vista de nossas modestas habilidades. Ou seja, em vez de desejar de galho em galho segundo as ocasiões e conforme nossas aptidões, preferimos almejar o impossível. O aspirante filatélico sofre de uma sudorese que estragaria qualquer selo; o aspirante literato não gosta de ler, e por aí vai: gostamos de visualizar futuros que nunca chegarão. Pois bem, os campeões, ao menos durante um tempo de sua vida, focam seu desejo, ou seja, persistem em desejar apenas uma coisa. Até aqui eles são parecidos com a gente.Só que, diferentes da gente, eles se autorizam a desejar uma coisa que é difícil, mas que não lhes é impossível: desejam a excelência num ofício para o qual eles têm talento. Restaria se perguntar por que um campeão pode falhar. Pois bem, até os campeões precisam daquela coisa que faz com que, um dia, milagrosamente, a disposição, o humor, a temperatura, o brilho do sol ou o barulho da chuva conspirem para que tudo dê certo. Ou seja, precisam de sorte. Boa sorte a Diego nos próximos Jogos Olímpicos.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

E assim adormece esse homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar/ Porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há.

Dorival Caymmi foi enterrado ontem à tarde no cemitério São João Batista, no Rio, embalado pelos últimos versos do clássico "João Valentão", declamados pelo filho Dori. Caymmi morreu anteontem no apartamento em que vivia, em Copacabana, aos 94 anos, vítima de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos.

Deixo aqui minha homenagem a este magnífico compositor, assistam o video em que João Gilberto interpreta Rosa Morena.


domingo, 17 de agosto de 2008

Dona de si

Achei interessante o texto da Danuza Leão publicado na Folha de São Paulo hoje, vejam se não faz sentido!


E pensa que não há nada melhor do que poder fazer exatamente
tudo o que quer, na hora em que quer

TEM DIAS que você acorda que sei lá. Não aconteceu nada que te aborrecesse, nenhum problema à vista, tudo bem em todos os sentidos -os normais- e você está péssima. Para começar, não consegue levantar da cama, e nela ficaria o dia inteiro, a vida inteira, a troco de nada. A cabeça está ruim, o analista está viajando, os amigos estão fazendo coisas, não têm tempo nem competência nem paciência para ouvir você -e, no fundo, ouvir o quê, se nem você mesma sabe o que dizer? Fica pensando: o que poderia acontecer agora para sair desse estado ridículo -porque a depressão sem razão é quase ridícula, mas a gente só sabe disso depois que ela passa-, com tanta gente sofrendo por razões sérias e você sem nenhuma. E o pior é que quando se está nesse estado nunca se pensa que ele vai passar. E pensar em viver assim a vida toda, realmente não dá. É uma agonia, quem sabe entrando num chuveiro as coisas melhoram? E a força para levantar e tomar um banho? Já cansou de ouvir falar que sair e andar um pouco é tiro e queda, mas se vestir, botar um tênis e ver o dia bonito, o céu azul e as pessoas alegres, correndo, rindo, é tudo que não se quer. Se pelo menos estivesse chovendo, fazendo frio, mas não: está um dia maravilhoso, e assim não dá. Botar um CD nem pensar, ligar a TV também não, é quase uma dor física no peito, é claro, que dói mais que uma pedra no rim, pois para essa você sabe que há remédio. O jeito é continuar no fundo das cobertas tentando não pensar em nada, e na verdade não pensando, e tão triste que não consegue lembrar um só momento de alegria e felicidade que já tenha tido, e achando que a vida não tem solução. E será que tem? O dia vai passando, nada melhora, e você não faz rigorosamente nada para tentar sair dessa. Para não morrer de fraqueza, pega na geladeira uma gelatina, essa pelo menos escorrega pela garganta sem precisar nem mastigar. Mas a vontade de viver é sempre mais forte, e já à tarde, com a cabeça funcionando melhor, resolve que vai melhorar. Começa devagar: levanta da cama, enche a banheira com uma água bem quentinha e toma um banho sem pressa; depois se veste, põe um suéter bacana, se maquia -muito importante- vai para a sala e começa a olhar em volta. Tem uma casa bonita, exatamente como queria, e importante: nenhum eletrodoméstico está com defeito, tudo está funcionando, o que é uma benção dos céus. E começa a bater uma certa fome, sinal de que as coisas estão melhorando. Mas fica quietinha, esperando; e umas duas horas depois decide -porque isso é uma questão de decisão- que chega, não vai ficar assim não. Pega a bolsa e vai a um restaurante de que gosta, pede uma caipirinha da fruta mais alegre que existe, o caju, e depois uma carne sangrenta com farofa e batata frita, tudo que evita 360 dias por ano. E pensa que não há nada melhor do que poder fazer exatamente tudo o que quer, na hora em que quer, que tem o direito de às vezes cair em depressão e não ter que dar satisfações a ninguém, nem à amiga nem ao analista, e que isso é a coisa mais importante deste mundo. Porque ser livre para ser feliz, ou até infeliz, é um privilégio que todos devem ter.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Por que Gestalt Terapia?

Semana passada recebi esta questão de alguém, que creio eu, está se encaminhando para a mesma escolha.

Bom, quando entrei na universidade já queria ser uma psicóloga clínica, eu já tinha tido experiências como cliente, portanto já tinha alguma idéia de como era aquilo. A medida que fui conhecendo mais, principalmente a Psicanálise, eu gostava, mas parecia que aquilo não combinava comigo.
De repente, fui apresentada ao Existencialismo e me identifiquei muito com esta corrente. Contudo, ainda era uma corrente filosófica e não uma linha de psicoterapia. Foi então que conheci o Psicodrama, agora sim uma abordagem fenomenológica existencial de psicoterapia.
Fui fazer psicoterapia nessa linha, assim se pode conhecer realmente uma abordagem. Sendo cliente conseguimos ver como esta linha funciona. Mas com o tempo, fui achando um tanto repetitiva, a representação em quase todas as sessões, hoje acho que o Psicodrama é muito mais eficaz para grupos.
Foi aí que conheci a Gestalt Terapia, para mim estava perfeito, uma abordagem fenomenológica existencial, sem que precisasse dramatizar em todas as sessões. Novamente fui fazer psicoterapia nessa abordagem, amei! Foi extremamente revelador para mim como cliente. Aí estava decidido, eu seria Gestal Terapeuta.
Portanto, para futuros psicólogos, primeiramente, façam psicoterapia, não apenas para resolver suas questões, mas para saberem onde são os seus calos, assim vocês saberão separar o que é seu do que é do seu cliente. Em segundo lugar, é sendo cliente que se pode ter uma noção verdadeira de como aquela abordagem funciona, é bem diferente do que ler a respeito.
Mas, cuidado! Não faça da sua escolha uma religião. Hoje em dia, quando necessário, muitas vezes me utilizo de técnicas de diversas abordagens, sempre estudando e entendendo o porquê daquilo. Tudo que existe é válido, não podemos descartar nada, o que escolhemos é uma linha para nortear o nosso trabalho, nunca engessá-lo.

Esquizofrenia II

Este é Bernard Höhl, de 23 anos, um jovem que está há 2 meses desaparecido. Bernard é diagnosticado como esquizofrênico e oriundo do Rio de Janeiro foi visto em Florianópolis.
Hoje asssisti a uma entrevista com seus pais que me comoveu muito, o pai contou que o primeiro médico que o diagnosticou não disse que se tratava de Esquizofrenia e também o quanto se sentiu desamparado para lidar com seu filho.
A esquizofrenia é uma doença crônica que acomete 1% da população. O problema que há muita falta de informação a este respeito. O tratamento psiquiátrico é necessário e se possível uma psicoterapia também. Com certeza a família precisa de psicoterapia, uma família em tratamento auxilia o tratamento do paciente.
Seus pais disponibilizaram uma página com mais informações e meios de contato. Se alguém o vir o ideal é chamar a polícia imediatamente pois tentar convencê-lo de qualquer coisa poderá ser inútil. Parece que ele está sem óculos e parece um homem de rua.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Esquizofrenia

Leiam na íntegra a reportagem publicada na folha hoje:

Dois grupos de cientistas publicam hoje estudos em que apontam regiões do DNA humano relacionadas ao risco para esquizofrenia. A descoberta saiu do maior levantamento genético já feito para investigar a doença. As duas pesquisas juntas envolveram mais de 8.000 pacientes esquizofrênicos comparados a 44 mil pessoas sem o problema psiquiátrico.Um dos trabalhos, liderado por Pamela Sklar, do Hospital Geral de Massachusetts (EUA), confirmou uma tendência observada em estudos menores, indicando que as mudanças que causam propensão à esquizofrenia tendem a não se agrupar muito em genes específicos, e sim se espalhar em partes grandes do genoma, com genes "repetidos" ou "apagados".O trabalho de Sklar sai hoje na revista "Nature" ao lado de outro estudo, liderado pela empresa islandesa Decode Genetics. Juntos, os estudos descrevem quatro partes do DNA que, quando "deletados", aumentam o risco para esquizofrenia, uma doença parcialmente genética. Uma delas já era conhecida, mas não confirmada.Essas mutações são raras, dizem os pesquisadores, e respondem por uma parte pequena dos casos de esquizofrenia, mas os portadores dessas alterações acabam tendo o risco de contrair a doença bastante elevado. Uma delas aumenta aproximadamente de 1% para 12% o risco de uma pessoa se tornar esquizofrênica. Essas alterações surgem espontaneamente, dizem os pesquisadores, mas em geral não são transmitidas por muitas gerações."Essas descobertas são importantes porque elas jogam luz sobre as causas [da doença] e fornecem o primeiro componente de um teste molecular para ajudar o diagnóstico e a intervenção clínica", afirma Kari Stefansson, da Decode.Hoje a esquizofrenia é diagnosticada por sintomas que incluem alucinações, pensamento confuso e emoções distorcidas. Segundo Camila Guindalini, geneticista da Unifesp que estuda males psiquiátricos, os novos estudos apontam "alvos de interesse" para uma possível descoberta de novos "genes candidatos" a serem estudados. Conhecer com mais precisão os genes implicados na doença pode ajudar na pesquisa de medicamentos mais precisos, afirma a cientista. (RAFAEL GARCIA)

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Resiliência

A resiliência é um termo oriundo da Física. Trata-se da capacidade dos materiais de resistirem aos choques. Esse termo agora usado pelas ciências humanas representa a capacidade do ser humano de sobreviver a um trauma, a resistência do individuo face às adversidades. Esta resistência não é apenas física, trata-se de uma visão positiva para reconstruir sua vida, a despeito de um entorno negativo, do estresse, das contrições sociais, que influenciam negativamente o seu retorno à vida. Assim, um dos fatores da resiliência é a capacidade do individuo de garantir sua integridade, mesmo nos momentos mais críticos.

Quero aqui mostrar um exemplo prático, do João Carlos Martins, posso dizer que este magnífico pianista e intérprete de Bach é a pessoa mais resiliente que já ouvi falar. Martins que tocava piano desde 8 anos de idade, primeiramente teve um nervo rompido e perdeu o movimento da mão direita em um acidente em um jogo de futebol em Nova Iorque. Após vários tratamentos recuperou parte dos movimentos das mãos, mas desenvolveu LER. Isto não o fez parar, continuou a tocar apenas com a mão esquerda. Contudo, ao realizar um concerto em Sofia na Bulgária, em 2002, sofreu um ataque em um assalto, e um golpe na cabeça lhe fez perder parte do movimento de mãos novamente.

Assim, aos 64 anos Martins começa a estudar regência em uma Escola de Música. Incapaz de segurar a batuta ou virar as páginas das partituras dos concertos, João Carlos faz um trabalho minucioso de memorizar nota por nota, demonstrando ainda mais seu perfeccionismo e dedicação ao mundo da música. E assim continua até hoje, agora como maestro.

Assistam o vídeo que ele toca piano com alguns dedos e emociona o Jô Soares.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Crise dos 30


Semana passada assisti ao filme Um beijo a mais. O que eu achei que seria mais uma comédia romântica clichê, me surpreendeu mostrando como é a crise dos 30 anos.
Tenho visto no consultório a dificuldade de tornar-se adulto e todas as implicações disto. Pasmem, hoje em dia se vira adulto aos 30 e quando vira!
Este filme mostra as implicações desta etapa na vida de vários personagens, obviamente a questão do relacionamento aparece juntamente com a famosa pergunta "Será que eu quero ficar com esta pessoa o resto da vida?" a qual assombra o personagem principal. A mudança que um filho traz para a vida de um casal também e o quanto é necessário um preparo para isso.
Ainda no mesmo filme, aparece o efeito de uma crise na família como um todo. Portanto, temos uma crise de uma mulher de meia idade também.
Ah, e o filme ainda possui um terapeuta bem caricato, mas interessante.
Vou parar de contar, assistam e depois me digam!

domingo, 27 de julho de 2008

Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente

EM GERAL , na literatura, no cinema e nas nossa fantasias, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modelo Cinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta).

No modelo Cinderela, o narrador nos deixa sonhando com um "viveram felizes para sempre", que seria a "óbvia" consequência da paixão.

No modelo Romeu e Julieta, a felicidade que os amantes teriam conhecido, se tivessem podido se juntar, é uma hipótese indiscutível. O destino adverso que separou os amantes (ou os juntou na morte) perderia seu valor trágico se perguntássemos: será que Romeu e Julieta continuariam se amando com afinco se, um dia, conseguissem deitar-se juntos sem que Romeu tivesse que escalar a casa de Julieta até o famoso balcão? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal de suas ascendências, eles passassem os domingos em espantosos churrascos de família?

Talvez as histórias de amor que acabam mal nos fascinem porque, nelas, a dificuldade do amor se apresenta disfarçada. A luta trágica contra o mundo que se opõe à felicidade dos amantes pode ser uma metáfora gloriosa da dificuldade, tragicômica e inglória, da vida conjugal.

O casal que dura no tempo, em regra, não é tema para uma história de amor, mas para farsa ou vaudeville - às vezes, para conto de terror, à la "Dormindo com o Inimigo".

Durante décadas, Calvin Trillin escreveu uma narrativa de sua vida de casal, na revista "New Yorker" e em alguns livros (por exemplo, "Travels with Alice", viajando com Alice, de 1989, e "Alice, Let´s Eat", Alice, vamos para a mesa, de 1978).

Nesses escritos, que são só uma parte de sua produção, Trillin compunha com sua mulher, Alice, uma dobradinha humorística, em que Calvin era o avoado, o feio e o desajeitado, e Alice encarnava, ao mesmo tempo, a beleza, a graça e a sabedoria concreta de vida.

À primeira vista, isso confirma a regra: a vida de casal é um tema cômico. Mas as crônicas de Trillin eram delicadas e tocantes: engraçadas, mas nunca grotescas. Trillin não zombava da dificuldade da vida de casal: ele nos divertia celebrando a alegria do casamento. Qual era seu segredo?
Para continuar a leitura

Por Contardo Calligaris
CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e colunista da Folha de São Paulo. Italiano, hoje vive e clinica entre Nova York e São Paulo. Leitura obrigatória semanalmente na Folha de São Paulo.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Perls em ação


Para quem não conhece este é Fritz Perls, criador da Gestalt Terapia. Neste vídeo ele aparece explicando como é o sonho para a Gestalt Terapia e faz um atendimento de um sonho. Desculpem mas não tem legenda.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Felicidade

No último sábado fui ao show do Luiz Tatit no SESC, gostei muito letra da música felicidade, mostra de uma forma bem humorada o quanto é estranho ser feliz em tempos de surto de depressão, confiram uma parte:


Não sei porque eu tô tão feliz

Não há motivo algum pra ter tanta felicidade

Não sei o que que foi que eu fiz

Se eu fui perdendo o senso de realidade

Um sentimento indefinido

Foi me tomando ao cair da tarde

Infelizmente era felicidade

Claro que é muito gostoso

Claro que eu não acredito

Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito

Não sei porque eu tô tão feliz

Preciso refletir um pouco e sair do barato

Não posso continuar assim feliz

Como se fosse um sentimento inato

Sem ter o menor motivo

Sem uma razão de fato

Ser feliz assim é meio chato

E as coisas nem vão muito bem

Perdi o dinheiro que eu tinha guardado

E pra completar depois disso

Eu fui despedido e estou desempregado

Amor que sempre foi meu forte

Não tenho tido muita sorte

Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida

E feliz da vida!!!


Para conhecer mais sobre Luiz Tatit confiram o site
http://www.luiztatit.com.br/

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Gestalt Terapia

Todas as pessoas geralmente me perguntam o que é afinal Gestalt Terapia.

O homem para a Gestalt Terapia é um ser-no-mundo, o que significa que ele age ativamente sobre o mundo e o transforma e recebe dele também influências, em uma relação recíproca. O homem é um organismo, um todo unificado que é diferente das partes que o constituem, assim como a soma destas. O que afeta uma parte afeta o todo.

Um dos conceitos mais importantes para esta teoria é o de contato, contato é o que ocorre entre o organismo e tudo que é diferente dele. É o meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem no mundo. É quando se pode escolher entre o que serve e o que não serve, assimilando ou rejeitando e isto inevitavelmente gera mudança e crescimento.
O self, portanto, é a função de contatar o aqui-e-agora, por isso diz-se que ele é temporal, pois ele só existe no presente. É no aqui-e-agora que o contato acontece e o self sempre vai existir na fronteria de contato.
O self é o processo de figura/fundo em situações de contato, servindo para o ajustamento que se faz ao encontrar obstáculos no meio. O self não é algo que faz parte do organismo.

A prática clínica da gestalt terapia apóia-se na tríade: a relação figura/fundo, a awareness e o método fenomenológico.
O processo de contatar ocorre a partir de um ir e vir de figuras e fundos, para que seja possível a satisfação de uma determinada necessidade. Porém quando a formação e destruição de gestalten estão interrompidas, as necessidades não são reconhecidas formando gestalten incompletas, interferindo na formação de novas gestalten.
Para haver este processo de contatar é necessário que haja a auto-regulação, que é ajustar a necessidade do indivíduo com as possibilidades do meio. A auto-regulação depende de dois processos interligados: a awareness sensorial (a pessoa saber qual é a sua necessidade) e a agressão (destruir ou desestruturar o que vem do meio, e só ficar com o que serve).
Awareness significa experienciar por inteiro, como um todo, o processo de contatar. Esta só será eficaz quando fundamentada e energizada pela necessidade atual do organismo, conhecendo a realidade da situação e como a pessoa está na situação, sempre no aqui-e-agora. A awareness está sempre em transformação, pois o agora muda em cada momento.
O método usado pela gestalt terapia é a fenomenologia e consiste na busca do entendimento através do que é óbvio, do que aparece e não na interpretação do que está por traz daquilo. Experienciando a situação, a awareness sensorial pode descobrir esse óbvio e assim chegar a awareness deliberada, que é saber qual a importância daquela necessidade para a pessoa.
Contudo as pessoas perdem o óbvio. Na Gestalt Terapia o cliente aprende a ficar aware daquilo que está fazendo e como está fazendo, sem dar tanta importância em como ele deveria ser ou porque ele é assim. O conteúdo é fundo e a forma é a figura para o terapeuta.
Através da awareness do que a pessoa está fazendo e de como está fazendo, conhecendo quem é, pode ocorrer à mudança. Esta é a Teoria Paradoxal de Mudança, ou seja, a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é. O gestalt terapeuta tem então um papel de transformador, encorajando e muitas vezes insistindo que o paciente seja onde e o que ele é. É quando o cliente abandona o que gostaria de se tornar e tenta ser o que é que ocorre a mudança.

O gestalt terapeuta evita a hierarquização do papel de terapeuta, pois acredita que a dicotomia dominador/dominado (topdog/underdog) já existe dentro da pessoa, ou seja, existe uma parte querendo que a outra mude e outra querendo ser mudada. É através do trabalho com essas polaridades que pode haver a integração da energia que está dividida, sendo aquilo que é plenamente, a pessoa pode se tornar outra pessoa.
Este trabalho fenomenológico é feito através de uma relação Eu-Tu que pressupõe que o contato (encontro) acontece quando dois diferentes estão em relação sem nenhum objetivo, reconhecendo as semelhanças e aceitando as diferenças. Cada um é responsável por si, por influenciar e se permitir ser influenciado pelo outro, conectando e separando-se.

O gestalt terapeuta respeita a auto-regulação do cliente, sem querer substituí-la pelo objetivo do terapeuta ou da terapia. Através das técnicas fenomenológicas, podem ser sugeridas maneiras que o cliente poderia experienciar o novo, tendo sempre como objetivo que o cliente tenha awareness.

A intervenção terapêutica da Gestalt Terapia está apoiada no ver e sentir do terapeuta, isso ajuda o cliente a ficar aware. O cliente pode ter awareness do próprio processo de awareness através de experimentos, tarefas propostas com esse objetivo que surgem do diálogo Eu-Tu, do aqui-e agora. É um trabalho verbal com experimentação.
Quando o cliente fica awareness do seu comportamento consegue usar sua força para auto-sustentar-se ao invés de se interromper. O terapeuta conduz seu trabalho para a integração das partes desconectadas, levando o cliente a explorar, aprendendo por si mesmo como escolher, responsabilizando-se por si e por suas escolhas.